sábado, 19 de junho de 2010

Yes, we can't


A derradeira campanha da velha esquerda europeia foi a eleição de um Presidente americano.

Duas notícias passaram despercebidas aos portugueses, entretidos com os feriados e a selecção. José María Aznar, o ex-primeiro-ministro de Espanha, jantou em privado com Pedro Passos Coelho. A chancelerina Angela Merkel está a ponderar um plano de austeridade e corte da despesa pública que reduzirá os salários em 2,5 por cento e contemplará a retenção do 13º mês em 2011.

Soubemos ainda pelo "NY Times" que paira a confusão sobre quem emprestou o quê a Portugal e que bancos estrangeiros estão envolvidos no crédito à nossa dívida. Alguns desses bancos estão em sérias dificuldades financeiras. Outros consideram que Portugal tem poucas condições para pagar uma dívida que, em parte, nunca será paga. O euro desceu face ao dólar para o mínimo nos últimos quatro anos. E Stephan Kampeter, o vice-ministro das Finanças alemão que conseguiu impor à Alemanha a inscrição do limite do défice na Constituição, uma medida que o ministro Luís Amado aprova e que José Sócrates desaprova, reuniu também com Pedro Passos Coelho.

Pedro Passos Coelho é tratado como o futuro primeiro-ministro de Portugal. Citando Barroso, ele sabe que vai ser, só não sabe quando. Decerto em 2011. À instabilidade financeira seguir-se-á a instabilidade política; e como não somos o Reino Unido, entre um Governo e outro, a legião de nomeados e assessorados, um tempo substancial se perde. Os próximos tempos serão duros, mas os portugueses não acreditam que lhes vai acontecer o mesmo que aos alemães e ingleses. Aqui, a retenção do 13º mês é uma arma atómica. Só os pobres, os velhos e os desempregados sofrem em silêncio.

Desde a revolução que Portugal é governado à esquerda em matéria de Estado e prestações sociais. Apesar das maiorias absolutas, Cavaco tinha dinheiro da Europa para manter o Estado e quis mantê-lo. A sua direita, dotada de consciência social, não era a direita pura que hoje existe em Portugal. Esta nova direita é mais jovem, mais estrangeirada, mais academicamente preparada do que a velha direita. É mais ideológica e está disposta a romper de vez com o Estado social. Nascida em democracia, formada nos cursos de Economia e Gestão das universidades, é também constituída por um núcleo de quadros e recém-licenciados, futuros regentes da pátria, que nada têm a ver com as negociatas de restaurante e o bloco central de interesses. Conservadores, pró-americanos, dotados de certo puritanismo, crentes na virtude absoluta do mercado e do capitalismo, acham (protegidos pela inexperiência) que a sua oportunidade para mudar Portugal de vez está a chegar. Tencionam, no poder, construir um sistema que proteja os empreendedores, desmantele a máquina estatal, agilize a justiça e privatize a economia agilizando os seus instrumentos, desde os financeiros aos legais; o que significa que pretendem rever a Constituição e a legislação laboral.

Não acreditam nos sindicatos, acham os comunistas e socialistas um anacronismo e consideram que só a criação de riqueza possibilita a prosperidade geral. A sua agenda política é liberal ou ultraliberal. O que quer dizer que não se revêem no PSD do cavaquismo nem no seu provincianismo. Desprezam adquiridos à esquerda como a existência de uma televisão pública, "intelectuais subsidiados" ou um Ministério da Cultura.

Em Portugal, estes jovens turcos, agastados por serem a geração "sacrificada" com a despesa pública, estão a chegar ao poder. E o seu homem vai ser Passos Coelho. Tudo os separa da velha direita de Freitas do Amaral e de Adriano Moreira, e nem para Paulo Portas e o seu populismo defensor de velhos e agricultores têm muita paciência. Serão para Portugal o que a direita foi e vai voltar a ser em Espanha: os agentes da liberalização. Os socialistas já se aperceberam que vão ser apeados nas urnas e apenas tentarão evitar uma votação humilhante. Os jovens turcos sabem que chegou a sua hora e que a crise é a sua oportunidade de pôr em prática as teorias que admiraram nos livros e nas escolas que frequentaram. Por essa Europa, a esquerda social-democrata e socialista não se repensou nem se preparou. A Europa de Willy Brandt, de Mitterrand, de Olof Palme e de Mário Soares, a Europa descendente da II Guerra Mundial e das ditaduras acabou. Calcificou. A sua sucessão tecnocrata não formou brilhantes quadros políticos e contratou demasiados oportunistas e medíocres serviçais.

O futuro da Espanha e de Portugal discutiu-se nesse encontro Aznar/Passos Coelho. E é de direita. À esquerda, só um partido vai capitalizar com a decadência do PS: o Bloco. Porque tem pensamento, ideologia, quadros e ideias. Porque não descansa. Porque prefere combater a governar. A derradeira campanha eleitoral da velha esquerda europeia foi a eleição de um Presidente americano negro. Yes, we can't.

Texto publicado na edição da "Expresso-Única", 12 Junho 2010

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