sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Como seria o Parlamento com menos 50 deputados

Como se distribuiriam as forças no hemiciclo se a redução para 180 parlamentares fosse avante. Veja quais os nomes que teriam sido preteridos, o que eles fizeram e o que não tinham feito. VEJA O VÍDEO que mostra como seria o Parlamento


Teria a carteira mais recheada, mas a alma mais pobre." Se, nas últimas legislativas, tivessem sido eleitos 180 em vez dos atuais 230 deputados, João Serpa Oliva não teria dado ao CDS a primeira eleição, em 25 anos, no circulo de Coimbra, terra natal deste médico ortopedista que trabalhava, a tempo inteiro, na sua clínica. A vinda para a Assembleia da República, em setembro de 2009, fê-lo perder "uns bons milhares de euros por mês", à conta das cirurgias que deixou de efetuar ainda opera, todas as sextas-feiras, mas mostrou a este caloiro da política "um mundo muito interessante, onde é possível fazer a diferença".

Está integrado em cinco comissões e subcomissões parlamentares, já conseguiu a aprovação de decretos-lei sobre ensaios clínicos ou medidas para portadores de esclerose múltipla, e faz parte de vários grupos de trabalho, como o da prevenção da diabetes, pneumologia e educação para a Saúde. Foi, porém, fora do âmbito clínico que Serpa Oliva conseguiu a sua maior proeza, quando, há semanas, levou o ministro das Obras Públicas a aceitar a sua ideia de criar uma comissão intermunicipal de transportes que permita ressuscitar o Metro do Mondego, cuja construção fora abruptamente suspensa, deixando as populações de Miranda do Corço e da Lousã, literalmente, apeadas. "Fui eu que disse ao Paulo Portas que não podíamos ignorar este assunto e que tínhamos de forçar o Governo a acabar com aquele golpe baixo. Só por isso já foi importante eu ter sido eleito deputado por Coimbra, um distrito que era dominado pelo PS e pelo PSD." Pela mesma razão, "por não querer um Parlamento rosa e laranja", Serpa Oliva é contra a diminuição do número de deputados para cento e oitenta. A proposta de redução foi do ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, incendiou a Assembleia e gerou talvez o maior tumulto governativo de que há memória, no consulado Sócrates, com a própria bancada socialista a repudiar a sugestão ministerial. E com aquele governante a mostrar-se, apesar disso, "disponível" para uma reunião com o PSD, o único partido favorável à eliminação de 50 assentos, com vista a trocar opiniões sobre "a modernização do sistema político".

Isto, já depois de o próprio ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, ter desautorizado o seu colega de Executivo, ao afi rmar que "o Governo não tem, no seu programa, nenhuma iniciativa prevista " sobre a composição do hemiciclo e que "a questão da legislação eleitoral para a Assembleia da República é da competência do Parlamento".

À ESPERA DE LACÃO

O certo é que Lacão tarda em agendar o encontro com os sociais-democratas.

"Registámos positivamente a disponibilidade do senhor ministro, mas continuamos à espera que ele marque a dita reunião e que seja consequente com a sua intenção", afirmou à VISÃO, Luís Montenegro, vice-líder da bancada laranja.

Por sinal, um dos pesos-pesados do Parlamento que também não teria sido eleito, em 2009, se no hemiciclo só houvesse 180 lugares sentados. Também Pedro Duarte, outro vice-presidente da tribuna do PSD, teria fi cado de fora ele que liderou as hostes laranja na comissão de inquérito ao caso PT/TVI bem como Osvaldo Castro, deputado há 30 anos, primeiro pelo PCP e depois pelo PS e que há anos preside à comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Uma simulação feita pelo politólogo Manuel Meirinho para o Diário Económico, baseada nos dados das últimas legislativas, revela que o CDS e o PCP seriam os partidos mais penalizados pela redução.

Os centristas perderiam seis dos atuais 21 deputados, enquanto os comunistas fi cariam sem quatro dos 15 mandatos que detêm, com uma redução percentual de representação no hemiciclo de 28% e 26%, respetivamente. O PS e o PSD, apesar de serem "lesados" em 20 e 19 assentos, teriam uma quebra percentual de 20% e 23 por cento. Já o Bloco de Esquerda seria o partido menos afetado: beneficiando de uma votação muito concentrada nas zonas urbanas, apenas perderia um deputado, no circulo de Lisboa, e 6% da sua representação parlamentar.

CAÇA-FANTASMAS

A recusa veemente da bancada socialista de discutir a diminuição do número de deputados, aliada à cobertura dada a essa posição por Pedro Silva Pereira, braço-direito de José Sócrates, faz crer que a proposta de Lacão não verá a luz do dia, enquanto durar a atual governação.

Mas, num novo ciclo político, o dossiê poderá ser reaberto uma vez que a Constituição já prevê o limite mínimo de 180 mandatos, bastaria uma maioria simples, no Parlamento, para viabilizar a redução.

Talvez por isso, o PSD tenha criado um grupo de trabalho que incluirá Luís Montenegro e outras figuras do partido para rever a lei eleitoral. Esta equipa, na qual pontifica o politólogo Manuel Meirinho, especialista em sistemas eleitorais, basear--se-á num estudo semelhante que elaborou, em 2008, a pedido do grupo parlamentar do PS, mas que não foi seguido.

"As bases do estudo serão as mesmas e visam melhorar as condições de representação do voto", explica o investigador, para quem "foi criado um problema fantasmagórico em torno da redução do número de deputados. Tudo depende é da arquitetura do sistema: um Parlamento com 150 deputados pode até ter maior proporcionalidade do que o atual". Meirinho defende um processo eleitoral com duas listas e dois boletins de voto: um de índole nacional, com os nomes dos partidos, e outro de caráter local, destinado à eleição pela população de cada circulo de um máximo de quatro a cinco deputados. A sua ideia passa também por substituir o método de Hondt pela quota de Hare (ver caixa), no que toca à distribuição dos mandatos. "O método atual privilegia os grandes partidos, enquanto o Hare, tende a beneficiar as forças mais pequenas."

O QUE TERIA SIDO DIFERENTE

Se a "sangria" de deputados tivesse ocorrido em 2009, o quase ano e meio desta legislatura teria sido diferente. Por exemplo, o parlamentar socialista Filipe Neto Brandão não lideraria o grupo de trabalho para o Acompanhamento da Legislação e Políticas de Combate à Corrupção, criado em outubro. Por ter sido eleito em último lugar, na lista de Aveiro, Neto Brandão ficaria fora de um Parlamento com 180 lugares.

E António José Seguro teria sido o único socialista a votar contra a proposta de lei do Governo sobre a nomeação de magistrados jubilados, que a oposição disse ser elaborada à medida do então número dois do procurador-geral da República.

Por outro lado, se Antonieta Guerreiro não estivesse na Assembleia, Mendes Bota teria sido o único social-democrata a abandonar o hemiciclo, durante a votação do último Orçamento do Estado, em protesto contra a viabilização pelo seu partido do documento que, na sua ótica, prejudicava seriamente o Algarve. Com um Parlamento emagrecido, Antonieta não teria sido a primeira mulher eleita pelo PSD/Algarve e muito menos teria dinamizado e presidido à comissão parlamentar de Educação para a Saúde.

No campo do Ambiente, a redução de parlamentares custaria o lugar aos coordenadores dos dois maiores partidos.

E perder-se-ia a hipótese de se assistir a mais um embora mais discreto acordo de regime, uma vez que o social-democrata António Leitão Amaro assumiu-se como um entusiasta da medida proposta pelo socialista Marcos Sá de obrigar todo o pessoal do Parlamento a usar só água da torneira.

Água pela barba deixaria de dar ao Governo o comunista Miguel Tiago, que ficaria igualmente arredado de um Parlamento de 180 assentos. Trata-se de um dos deputados que mais têm fustigado o Executivo a propósito do programa Parque-Escolar, denunciando, nomeadamente, o número de obras de requalifi cação feitas por ajuste direto, sem concurso público. Praticante de artes marciais, Miguel Tiago foi ainda referido na imprensa como tendo, supostamente, ameaçado um deputado, ao desafi ar Jorge Gonçalves, do PS, para resolverem as suas divergências fora da Assembleia da República.

O comunista garantiu ter sido mal interpretado e o caso acabou com um aperto de mãos. Não foi preciso Serpa Oliva entrar em ação. É que deputado-médico do CDS já perdeu a conta às vezes em que observou maleitas e reumatismos de parceiros de Assembleia...

Sem comentários:

Enviar um comentário